O sensual, de uma forma só nossa

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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A Ripa em Hollywood


Não lembro o filme. Lembro do cine Palácio. Me vejo saindo pelas portas laterais, aglomeração na rua estreita e as pessoas discutindo. O quê? Por quê? Nos filmes, onde sempre o 'mocinho' tinha a torcida da plateia, contra o bandido-vampiro voraz pelo sangue daquele, ali, a inversão: o bandido se sobrepôs na ética invertida: venceu o mal. Surpresa, mal-estar, atordoamento, estupefação das pessoas. Eu entre elas cara sem riso. A ripa em Hollywood. Sem respostas.

E a mudança na civilização se iniciou nítida ... Décadas se passaram... Hoje, o ponto de interrogação é uma exclamação. Sem dó maltrata as pessoas que ousam enfrentá-lo.

Estava eu numa reunião, sala caseira, amigas e amigos se revendo. Momento agradável. De repente, uma discussão: 3 donas de casa, as vozes alteradas, discutiam 'quem matou quem' na novela da nove. A cena me foi tão absurda, que não me contive: Gente,  ninguém  matou ninguém! Não houve crime!  Os olhares, ripas! Meu tom de voz? Minha interferência? Silêncio! Calei! Alfred Hitchcok: 'Não existe terror no estrondo, apenas na antecipação dele'
Há oito anos, 4 donas de casa em uma série: Desperates Housewives (Donas de casa desesperadas). Uma vez por semana, três meses no ano oito!!! Para entreter! O que vale é a discussão: antecipação dela. As donas de casa, conquistadas. Me fisgou.
O roteiro, de um homem. Mulher, assunto preferido! Dona de casa faz almoço, faz breakfast rotineiro, cuida de filhos, do marido, lava e passa, tem seu poquerzinho, espia pela janela. Vende sabão, máquina de lavar, vende crime. Fácil, fácil escrever sobre elas. Seguram audiência! Que fazer? Minha cara, sem riso, absorvia.  No início, legal! A pegadinha logo se absorveu minuciosamente em  8  anos-crimes! O crime entretendo!O título revelado no final: elas enterraram o padrasto de uma delas  estuprada por ele. O padrasto, estuprador, por não ter onde dormir, fora dormir na casa dela e, claro, casou com a mãe dela. Quem matou foi o Carlos, o marido dela. Com um candelabro! Houve julgamento, acusaram uma delas. Na camisa do morto, suas impressões digitais. Mas havia um pacto de amigas! Álibi do advogado, ' acho admirável você doar roupas', punha em cheque sua culpa.A saída de roteirista, que não sabe o que fazer: usou 'Deus ex machina'. 'Caiu do céu.' Uma amiga, idosa, na cama, entubada, com câncer, sem força, escutou a confissão da Gabi e pasmem... na hora H, no circo montado como um tribunal, chegou toda faceira e assumiu o crime!!! E declarou: Matei-o! Com o candelabro, arrastei o corpo até um bosque (longe) e o enterrei! Perguntas incrédulas. Respondeu: adrenalina, medo. Festa no tribunal! Festa na casa da acusada! Regada a champanhe. A idosa assumiu a cama, os tubos , fez de cara de cadáver, e morreu! As 4? Todas se tornaram milionárias. A ré tornou-se senadora num estado americano. O assassino e a mulher, programa de TV para vendas de roupas de griffe. A outra, com o marido num ap., visão da Quinta Avenida e champanhe. A outra vendeu tudo e foi cuidar de neto da filha adolescente. Daí, chegou outra dona de casa, com uma caixa e um segredo.  Mais 8 anos! Não!

Ficção? Realidade? O coringa que o diga!  Pegou a ripa e matou! 12. Na terra do tio Sam. O presidente, entristecido! A imprensa divulgou as fotos dos assassinados! Como vendeu! Entreteve! No Brasil, povo acostumado ao crime, onde a notícia de ’45 mil mulheres assassinadas’ por seus próximos já não usa a exclamação, não teve reação. Outra apologia ao crime, realizada dentro da prisão, como cerimônia religiosa, comparecimento total dos presos, agentes proibidos de estar com eles (notícia do dia 6/9/12 –Primeira Hora) sem reação também...

Olhei o sol azul... as pessoas na rua... Que imagem linda! A da Terra. Que imagem feia! A dos homens!

Fronteira entre ficção e realidade? É lero-lero!

Só então me dei conta do filme no cine Palácio! O bandido! O certo. O crime: o entretenimento! Sutilmente injetado nos cérebros. Com o aval de Hollywood! A fábrica de ilusão tornou-se a fábrica de ripas! Do crime!?

Que imagem linda! A Terra, os gansos, o Universo!
Que imagem degradante! A dos homens!
Que imagem preta!  A da mídia! A serviço do crime!?

P.S Já sei. Vão me contestar. Olho, ouço, falo só do negativo.
Não, é por olhar o que há de lindo na Terra, a ciência, a evolução tecnológica, os voluntários da ética, os que lutam pela beleza e perfeição da civilização – e vê-los tão ‘escondidos’, tão poucos, tão amedrontados, e eu estar entre eles, é que falo sozinha. Aqui.
Joana Rolim

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