Conj.2010. Um balcão, uma atendente em
seu computador. Sala de paredes amarelas, desprovidas de qualquer outro
elemento. O colorido e o som da televisão me atraíram, na falta de qualquer
outra opção de distração, já que fechar os olhos e me envolver em pensamentos
seria impossível.
Um
ardoroso grafólogo. Uma apresentadora. Um texto para análise. Nela todo o
caráter e a índole de um repórter se revelando na letra dele. Nada contra. Mas
não me bate. Acabei aprendendo que a letra ‘o’ tem o ‘poder’ de definir o
esbanjador e o pão-duro. Uma vez
detectada a anomalia na letra, pode-se, simplesmente, inverter o adjetivo que
imprime o perfil da pessoa, simplesmente mudando o formato da letra. O
esbanjador se torna pão-duro e vice-versa.
‒
Ah!Ah! Que fácil! ‒ comentei com a atendente também atenta.
Quebrando
a sequência do quadro, uma cena me calou: gansos, centenas, enfileirados tal
qual uma marcha, procissão ou desfile, sob o comando de um homem e uma ripa ‒ comprida,
larga, bem equilibrada nas mãos calejadas? que mantinham a marcha dos gansos,
escuros como o asfalto quebrado, pela rua dividida com carros, carroças,
caminhão. Alguns paravam respeitando a marcha em ziguezague comandada e
obedecida à risca pelos gansos faceiros e barulhentos sob o comando que os
protegia.
Era
uma imagem inédita, ofuscante pela beleza dos gansos e destreza do comando. Desciam
em direção à lagoa, onde a água límpida? aguava a grama e ondeava a cada ganso
que nela mergulhava.
O
Homem foi entrevistado. Por acaso um jornalista por ali passava!
‒
Eles produzem mais quando são levados a passear pelas ruas. Nenhum foi atropelado!
Ele
disse. Está dito!
Essa
imagem valeu! Guardei a imagem! Que imagem! Um homem, uma ripa e centenas de
gansos ‒ poderiam ser milhares, não ser gansos, poderiam ser milhões ou
bilhões de homens ‒ mulheres inclusas.
O
homem poderia ser algum homem ensandecido pelo poder, ou muitos, ou máfias do crime, políticas, religiosas, ou
chefes de estado, conquistadores, máfias terroristas, líderes enlouquecidos pela
ganância e poder ou ... briga por inveja, briga por dinheiro, briga por poder,
briga pela sua própria loucura. Gritos, balbúrdia, mortos. Canto, música: fúnebre? A ripa balançava,
agredia, machucava ou matava! Ou os alimentava com milho jogado no chão. E os mantia dentro da ripa.
Uma
ripa para centenas de gansos. Uma ripa, uma arma, centenas de armas, centenas
de balas, uma forca, instrumentos de tortura... Quais? Para o corpo ou para a
mente? Ou para o corpo e para a mente.
Uma
ripa para centenas de homens? Número inexato? Qual seria o exato?
Bilhões
de pessoas marchando obedientes, sem atropelamento.
Mas
são homens (mulheres inclusas). A farsa monumental refém de medos
extravagantes. Mas nelas, de repente, um(ns) descontrolado(s), um(ns)
desobediente(s), outro (s) com fome, um (ns) revoltado (s), tambores tocando,
drogas drogando, assassinato assassinando, crianças assassinas se assumindo,
condutores atropelando...
Marcha
de homens e mulheres para a câmara de gás!
Marcha
de homens e mulheres para as fogueiras acesas pelos representantes de “Deus”!
Marcha
de homossexuais querendo seus direitos...(alguém os negou?)!
Marcha da maconha
nos lábios clamando pela liberdade da fumaça...
Marcha silenciosa e disfarçada para estupro em cadeia...
Marcha
de mulheres seminuas, ou quase nuas, reivindicando: ‘eu dou pra quem eu quero’! Quem diz não?
Marchas
implorando pela liberdade. Déspotas metendo a ripa!
Marcha
de mulheres cobertas, tendo os olhos e as mãos livres. Ou ficaram cegas ou suas
mãos tombaram ensanguentadas. Ou os dois.
Mas
não há marcha contra a corrupção, com políticos politiqueiros, contra o
afogamento por impostos excessivos, contra as ‘quarenta e cinco mil mulheres
assassinadas por seus próximos, contra a pedofilia, crianças desaparecidas,
contra mulheres seviciadas ou seduzidas pela máfia da pornografia... pelos
jovens a quem foram negadas uma educação de qualidade, nem marcha de
trabalhadores pelo seu direito ( a dos sindicados não contam, trabalham por
eles mesmos) e... E as mulheres? Sem marcha! Conformadas.
Assim
caminha a humanidade, os sinos dobram para o maior espetáculo da Terra: no
palco, o entretenimento, para o corpo e para mente, que os mantém dentro do
espaço protegido pela ripa, que mantém os ‘gansos’ na plateia, aplaudindo. Sem
água límpida aguando a vegetação.
Entrada
livre. Saída paga. Às vezes com uma vida.
Que
imagem linda! A dos gansos.
Que
imagem feia! A dos homens.
Continua:
A ripa em Hollywood.