Feliz 2012!
Publicado na revista Varal do Brasil (Brasil-Genebra)
VARAL DO BRASIL - Janeiro de
2012
Liberdade e Democracia
Por Joana Rolim
Li
Péter Esterházy. Ele vê a literatura como
tendo
"sempre relação com a liberdade. Quanto
mais
fraca democracia, mais força ganha esse
papel".
GENEBRA. Meu livro de poesias teve sua
identidade
à
beira de um lago. As águas tranquilas
e
límpidas desenham a paz. Caminhei em
sua
margem, caminho limpo e florido, árvores
exóticas,
olhos
na paisagem, a bolsa, no ombro despreocupado,
passos-compassos curtindo o caminho.
Era
início de primavera. As flores, as árvores
floridas. A natureza se oferecendo, colorida e
perfumada, se expressando nos rostos dos que
ali
estavam ou se combinando em buquês - arte
de
mãos que plantam flores. Em cada casa
um
jardim.
Ruas
limpas e honestas nos trilhos do "tram" ou
nas
vias dos ônibus (sem cobradores) e carros,
das
bicicletas...no caminho dos pedestres,
águas
que fotografam com nitidez os barcos,
tudo
com suas leis, normas , respeitadas.
Cidade-sede da ONU, das grandes decisões a
nível
mundial, é ciente de sua importância e humildade
no seu
jeito de ser. Poderosos bancos,
demonstrando confiança no cidadão
,ofertam com frequência incrível, os "caixas
eletrônicos", instalados nas paredes dos
prédios,
em
todos os lugares, para servi-lo .Sem
cabines, sem grades, sem guarda armado.
Numa
tarde de sol, com uma amiga, num passeio
para
nos deliciarmos com a paisagem do
lago,
me deparei com um cisne ao lado de seu
ninho:
três ovos. Entre a calçada e a grama.
Olhei
em redor. Pessoas, crianças... e o cisne!
Visitei uma livraria portuguesa. Para ver a
possibilidade
de
vender meu livro. Ao falar com o
livreiro, fui dizendo, são poemas sensuais, não
tem
pornografia (mas eu leio), e ele:" não tenho
nada
contra pornografia!", me senti a "caipira".
E ali
meus livros foram vendidos. Todos os que
eu
deixei. Na volta, ao passar pela ponte, minha
amiga
me chamou a atenção: "Mendiga! É
a
primeira vez que vejo isto aqui."
Olhei-a.
"Cena comum pra mim." Na outra ponta da
ponte, outra mendiga, também de vestes de
longas, país diferente. Encarei minha
amiga.
No
ar, a apreensão.
Pra
mim uma viagem-paradoxo. Por quê? Não
conseguia me recuperar de um gesto: segurar
com
força a bolsa. Depois me colocava na realidade
e
afrouxava.
Num
domingo, duas visitas; em uma agradável
e
deliciosa fábrica de chocolates e em Gruyère,
entre
tantos outros lugares. Gruyère é um lugar
interessante. Que dia especial. Que informações
incríveis sobre a Suíça. A banda festiva
em seu
folclore, os visitantes à vontade, as lojas,
restaurantes, cafés, tomamos um vinho, eu,
meu
amigos, enquanto suas crianças corriam
para
conhecer o espaço, livres, às vezes sob o
olhar
longínquo deles. E eu, preocupada. Eles
iam
tão longe sozinhos. Era a realidade deles,
exercê-la livremente não era opção.
Ao ver
igrejas, prédios suntuosos, na riqueza
da
arte e de sua construção, fechadas, quis
saber
a razão. Não tem mais fiéis!!!
Olhando através da janela, no trem para Paris,
refleti sobre a diferença: lugar em que estava,
lugar
em que morava. E vi o reflexo no vidro, de
minha
expressão fechada e triste naquele instante.
Moro
no terceiro mundo. Andar na rua com um
bolsa,
exige força e, mesmo assim, às vezes
nos
levam até a mão. Os olhos em alerta, o perigo
nas
ruas, infestadas por pessoas malintencionadas,
com
ladrões, que roubam pessoas
e
caixas automáticos (mesmo dentro de
bancos) espalhando o
pânico e o medo entre
cidadãos desprotegidos, que têm que se livrar
da
sujeira das ruas, não levada pelo vento, e
deixar
um grito de socorro, armado na garganta.
Como
se adiantasse... Aqui temos de fugir
dos
olhos de cobiça, do olhar sutil de um chantagista,
deslumbrado pelo próprio feito, transformando
em
ouro sua mente, e com sua alma
apodrecendo ,de bandidos dissimulados à espreita
da
vítima, que podem nos tirar a identidade
e a
vida, num ato corriqueiro. Premiados
com
uma impunidade protegida por Leis e por
alguns
de seus representantes.
Os
parques são lindos, e se faz passeios, mas
tem
que haver policiamento.
Moro no terceiro mundo.
País
de politicagem e politiqueiros, da bolsa
presa
ao corpo, do olhar que não pode ver a
paisagem, porque se tem que estar atento ao
perigo, da palavra despreocupação
escondida
no
âmago da alma, do vidro fechado do carro,
obrigatoriamente, dos espaços de diversão
vigiados,
dos
prédios com segurança máxima
para
seus ocupantes e visitantes, de pedestres
teimosos, motoristas mal-educados, de
professores
amedrontados, de pais "acabados" por
suas
crianças desaparecidas, de famílias atordoadas
e
privadas de suas filhas - destino desconhecido.
Mas
ainda com esperanças. Alguns
sem
ela.
Aqui
falo como cidadã comum, com problemas
de
cidadão comum, fechando o jornal, ou nem
comprando o jornal, onde toda notícia de
sucesso,
vitória, realizações, cederam seu lugar
(fazer o quê?) para
o "podre" de uma sociedade
que
não tem democracia nem liberdade, e
nem
literatura como força, como você citou Péter.
País
da charge! Na primeira folha do jornal.
Gosto
do humor, mas quando reflete um povo...
e
transformam tragédias em humor...
A
literatura é perigosa para a democracia. Aqui
se tem
medo da literatura, incluindo os próprios
escritores. Entendi por que igrejas são
fechadas.
Educação e Informação fecham as suas
portas. Nós não as temos. Mas temos o
puritanismo,
(com o dízimo pago para entrar no
céu, o que os torna "filhos de Deus", assim
se
julgam, e por isso condenam, massacram,
riem).
Respeitada como turista, um entreato feliz na
vida,
pego o avião de volta, dizendo adeus aos
momentos de liberdade e de realização. Será
que
algum dia irei tê-los outra vez?
Fiz
reflexões na janela de um trem, com destino
à
Paris, onde meu livro também ficou e, agora,
olhando as nuvens iluminadas.
Cheguei ao aeroporto, agarrei minha bolsa,
fiquei
em
alerta e comecei a enfrentar a desorganização.
Na
mala, a fotografia da liberdade, o cisne, seu
ninho,
seus ovos.
Na
minha alma, e passo agora para a escrita
(como
diz F.Pessoa ) me digo feliz:
Genebra, um lugar belo! E a imagem "de la
Bibliothèque
de la
Cité" no meu coração.
Joana Rolim
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