O sensual, de uma forma só nossa

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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Liberdade e Democracia


 Feliz 2012!

 Publicado na revista Varal do Brasil (Brasil-Genebra)
 VARAL DO BRASIL - Janeiro de 2012

Liberdade e Democracia
Por Joana Rolim

Li Péter Esterházy. Ele vê a literatura como
tendo "sempre relação com a liberdade. Quanto
mais fraca democracia, mais força ganha esse
papel".

GENEBRA. Meu livro de poesias teve sua identidade
à beira de um lago. As águas tranquilas
e límpidas desenham a paz. Caminhei em sua
margem, caminho limpo e florido, árvores exóticas,
olhos na paisagem, a bolsa, no ombro despreocupado,
passos-compassos curtindo o caminho.
Era início de primavera. As flores, as árvores
floridas. A natureza se oferecendo, colorida e
perfumada, se expressando nos rostos dos que
ali estavam ou se combinando em buquês - arte
de mãos que plantam flores. Em cada casa
um jardim.
Ruas limpas e honestas nos trilhos do "tram" ou
nas vias dos ônibus (sem cobradores) e carros,
das bicicletas...no caminho dos pedestres,
águas que fotografam com nitidez os barcos,
tudo com suas leis, normas , respeitadas.
Cidade-sede da ONU, das grandes decisões a
nível mundial, é ciente de sua importância e humildade
no seu jeito de ser. Poderosos bancos,
demonstrando confiança no cidadão
,ofertam com frequência incrível, os "caixas
eletrônicos", instalados nas paredes dos prédios,
em todos os lugares, para servi-lo .Sem
cabines, sem grades, sem guarda armado.
Numa tarde de sol, com uma amiga, num passeio
para nos deliciarmos com a paisagem do
lago, me deparei com um cisne ao lado de seu
ninho: três ovos. Entre a calçada e a grama.
Olhei em redor. Pessoas, crianças... e o cisne!
Visitei uma livraria portuguesa. Para ver a possibilidade
de vender meu livro. Ao falar com o
livreiro, fui dizendo, são poemas sensuais, não
tem pornografia (mas eu leio), e ele:" não tenho
nada contra pornografia!", me senti a "caipira".
E ali meus livros foram vendidos. Todos os que
eu deixei. Na volta, ao passar pela ponte, minha
amiga me chamou a atenção: "Mendiga! É
a primeira vez que vejo isto aqui." Olhei-a.
"Cena comum pra mim." Na outra ponta da
ponte, outra mendiga, também de vestes de
longas, país diferente. Encarei minha amiga.
No ar, a apreensão.
Pra mim uma viagem-paradoxo. Por quê? Não
conseguia me recuperar de um gesto: segurar
com força a bolsa. Depois me colocava na realidade
e afrouxava.
Num domingo, duas visitas; em uma agradável
e deliciosa fábrica de chocolates e em Gruyère,
entre tantos outros lugares. Gruyère é um lugar
interessante. Que dia especial. Que informações
incríveis sobre a Suíça. A banda festiva
em seu folclore, os visitantes à vontade, as lojas,
restaurantes, cafés, tomamos um vinho, eu,
meu amigos, enquanto suas crianças corriam
para conhecer o espaço, livres, às vezes sob o
olhar longínquo deles. E eu, preocupada. Eles
iam tão longe sozinhos. Era a realidade deles,
exercê-la livremente não era opção.
Ao ver igrejas, prédios suntuosos, na riqueza
da arte e de sua construção, fechadas, quis
saber a razão. Não tem mais fiéis!!!
Olhando através da janela, no trem para Paris,
refleti sobre a diferença: lugar em que estava,
lugar em que morava. E vi o reflexo no vidro, de
minha expressão fechada e triste naquele instante.
Moro no terceiro mundo. Andar na rua com um
bolsa, exige força e, mesmo assim, às vezes
nos levam até a mão. Os olhos em alerta, o perigo
nas ruas, infestadas por pessoas malintencionadas,
com ladrões, que roubam pessoas
e caixas automáticos (mesmo dentro de
bancos) espalhando o pânico e o medo entre
cidadãos desprotegidos, que têm que se livrar
da sujeira das ruas, não levada pelo vento, e
deixar um grito de socorro, armado na garganta.
Como se adiantasse... Aqui temos de fugir
dos olhos de cobiça, do olhar sutil de um chantagista,
deslumbrado pelo próprio feito, transformando
em ouro sua mente, e com sua alma
apodrecendo ,de bandidos dissimulados à espreita
da vítima, que podem nos tirar a identidade
e a vida, num ato corriqueiro. Premiados
com uma impunidade protegida por Leis e por
alguns de seus representantes.
Os parques são lindos, e se faz passeios, mas
tem que haver policiamento.


Moro no terceiro mundo.
País de politicagem e politiqueiros, da bolsa
presa ao corpo, do olhar que não pode ver a
paisagem, porque se tem que estar atento ao
perigo, da palavra despreocupação escondida
no âmago da alma, do vidro fechado do carro,
obrigatoriamente, dos espaços de diversão vigiados,
dos prédios com segurança máxima
para seus ocupantes e visitantes, de pedestres
teimosos, motoristas mal-educados, de professores
amedrontados, de pais "acabados" por
suas crianças desaparecidas, de famílias atordoadas
e privadas de suas filhas - destino desconhecido.
Mas ainda com esperanças. Alguns
sem ela.
Aqui falo como cidadã comum, com problemas
de cidadão comum, fechando o jornal, ou nem
comprando o jornal, onde toda notícia de sucesso,
vitória, realizações, cederam seu lugar
(fazer o quê?) para o "podre" de uma sociedade
que não tem democracia nem liberdade, e
nem literatura como força, como você citou Péter.
País da charge! Na primeira folha do jornal.
Gosto do humor, mas quando reflete um povo...
e transformam tragédias em humor...
A literatura é perigosa para a democracia. Aqui
se tem medo da literatura, incluindo os próprios
escritores. Entendi por que igrejas são fechadas.
Educação e Informação fecham as suas
portas. Nós não as temos. Mas temos o puritanismo,
(com o dízimo pago para entrar no
céu, o que os torna "filhos de Deus", assim
se julgam, e por isso condenam, massacram,
riem).
Respeitada como turista, um entreato feliz na
vida, pego o avião de volta, dizendo adeus aos
momentos de liberdade e de realização. Será
que algum dia irei tê-los outra vez?
Fiz reflexões na janela de um trem, com destino
à Paris, onde meu livro também ficou e, agora,
olhando as nuvens iluminadas.
Cheguei ao aeroporto, agarrei minha bolsa, fiquei
em alerta e comecei a enfrentar a desorganização.
Na mala, a fotografia da liberdade, o cisne, seu
ninho, seus ovos.
Na minha alma, e passo agora para a escrita
(como diz F.Pessoa ) me digo feliz:
Genebra, um lugar belo! E a imagem "de la Bibliothèque
de la Cité" no meu coração.

Joana Rolim